Me pediu uma coisa à noite, algo simples, sobre irmos à padaria na manhã seguinte pra comprar uma quitanda que somente ele come. Anuí, disse que tudo bem, anotei no celular. Acordei na manhã seguinte, alegre, bem disposta. Despertei ele com beijos e carinho e fui passar café. Depois de um tempo, me seguiu até a cozinha e lá ficou me encarando. Quando o café já estava quase pronto, me lembrei de ir à padaria. Ficou decepcionado, disse: “com o que eu vou tomar meu café?”. Me senti Eurídice. Fiquei brava mas só um pouco, na superfície. Debaixo de onde arranha a unha fiquei com preguiça, revirei os olhos do lado de dentro. Saiu pra comprar sua quitanda com mamãe. Bebi meu café e a menor parte do café que tinha feito pra ele. A maior parte levei pra minha irmã. Fiquei feliz de levar café da manhã para ela.
Fiz as coisas na manhã no meu ritmo. Não preciso me esconder ou me sentir culpada por não corresponder às expectativas que ele tem sobre meu dia. Que louco, isso? Expectativas de outrem sobre o MEU dia?
Enquanto digito freneticamente essas palavras, tento fugir do pensamento de que ele provavelmente me encara com olhar de aprovação fugidio, porque pensa que estou trabalhando. Não gosto disso. Pode ser projeção da minha cabeça, essa suposição imaginária minha, mas pode ser verdade, pois ele acabou de encostar a perna em mim. Quando está nervoso, tira a pele de perto, quase como que com repulsa. Não é muita coisa, mas às vezes é.
Gosto de quem estou me tornando. Me sinto confortável assim sendo e me descobrindo e me transformando dia após dia. Às vezes falo coisas e me arrependo. Faço coisas e depois julgo que fiz errado. Mas ontem Marcella me disse que o erro pode ser bom. É muito melhor a curiosidade de olhar pro erro do que o julgamento, a dureza. Não há necessariamente leveza nisso, mas é possível haver um peso mais sensível, um peso delicado.
Je dois apprendre aux curieux. Isso inclui a mim mesma em primeiro lugar, né… Ao menos deveria.